Toda narrativa é estruturada sobre cinco elementos: o enredo, os personagens, o tempo, o espaço e o narrador.
Qualquer pessoa pode identificar esses elementos em uma história e qualquer pessoa entende que essa história não pode se contar sozinha.
Ela precisa de alguém que conte o que está acontecendo, mesmo que esse alguém não esteja visível o tempo inteiro. Esse alguém, responsável por nos narrar a sequência de acontecimentos de uma história, é chamado de narrador.
Esse é, talvez, o elemento mais importante da estrutura narrativa, pois ele é o mediador entre a sequência de fatos e o leitor.
Antes de tudo, é essencial ressaltar que o autor de uma história não é quem a narra. Ele é uma entidade de ficção, uma criação linguística do autor e só existe no texto.
O ideal, inclusive, é pensar no narrador como um dos personagens da história porque ele é criado justamente para aquela narrativa e se adapta à ela.

O narrador é um personagem que não parece personagem
Quando pensamos no personagem que narra, é comum que a primeira imagem que apareça em nossas cabeças seja a de um trovador dos tempos antigos, uma pessoa rodeada por ouvintes que conta uma história de maneira externa.
Essa imagem é um exemplo perfeito do narrador externo, aquele que não parece narrar, e que se coloca a parte dos acontecimentos. Porém, estudiosos afirmam que, com o romance, houve uma mudança substancial na narrativa.
Se antes o narrador apenas contava a história, preocupando-se mais em enaltecer grandes heróis e feitos, agora ele se tornou íntimo do leitor, lhe fala diretamente.
Foi com o romance também que surgiram as articulações desse personagem e os tipos de narração conhecidos hoje.
A análise narrativa conta com dois termos para identificar a função do personagem que narra em uma história: o foco narrativo e o ponto de vista.
No livro Como analisar narrativas, a autora Cândida Gancho explica que tanto um termo quanto o outro trata da posição e perspectiva do narrador em relação aos fatos narrados.
Usando essa abordagem, conseguimos identificar, então, numa primeira camada, dois tipos de personagem que narra de acordo com os pronomes pessoais usados: terceira pessoa (ele/ela) ou primeira pessoa (eu).
Algumas teorias também estão trazendo a análise da narrativa em segunda pessoa, aquela que usa o pronome “você”. Porém, esse tipo de personagem que narra não é muito popular fora dos livros-jogos e instruções.
Terceira pessoa
O narrador em terceira pessoa se posiciona fora dos fatos. Ele é o exterior, apenas observa, nos conta o que está vendo e por causa disso, essa narrativa tende a ser imparcial.
Suas maiores características são a onisciência e a onipresença, onde o narrador sabe de tudo e está presente em todos os lugares. Norman Friedman desmembrou esse tipo de narrador em quatro categorias:
- 1 onisciente intruso;
- 2 onisciente neutro;
- 3 onisciente seletivo múltiplo;
- 4 onisciente seletivo.
O narrador onisciente intruso é aquele que pode narrar à vontade, que se localiza além dos limites do tempo e do espaço.
Então, ele sabe o que acontece com tudo e com todos, tem opiniões sobre as personagens e não deixa de dizê-las.
Essa foi uma característica muito comum no início do século XIX, mas acabou saindo de moda quando a neutralidade entrou em cena.
A neutralidade pedia por uma história que apenas acontecesse, pedia por um narrador quase invisível, então trouxe com ela o narrador onisciente neutro.
Este não é tão diferente de seu antecessor, mas se distingue pela ausência de intrusões e comentários sobre o comportamento dos personagens.
O narrador onisciente seletivo múltiplo e o narrador onisciente seletivo são bastante parecidos, mas enquanto o primeiro acompanha várias personagens, o segundo acompanha apenas uma.
Primeira pessoa
Já a narrativa em primeira pessoa não conta com a onisciência e a onipresença tão expressivas quanto a narrativa em terceira pessoa.
Esse tipo de narrador participa diretamente do enredo como qualquer personagem, então tem um campo de visão mais limitado.
O narrador em primeira pessoa normalmente sabe apenas de si e daquilo que consegue perceber de outros personagens. Cândida Gancho diz que esse tipo de narrativa se divide em duas categorias:
- narrador-testemunha;
- narrador-protagonista.
O narrador-testemunha é interno à narrativa, ele não está alheio ou de fora dos acontecimentos. A narrativa dele, porém, é dirigida para outro personagem.
Esse é um personagem secundário que se escolhe como narrador para dar sua visão aos fatos.
Enquanto isso, o narrador-protagonista fala de um centro fixo, quase que limitado exclusivamente às suas percepções, pensamentos e sentimentos.
Esse tipo de personagem que narra sabe o que acontece ao seu redor apenas se aquilo acontecer com ele.
Segunda pessoa
Além dos narradores em primeira e terceira pessoa, ainda existe o narrador em segunda pessoa.
Esse tipo de narrador não é muito usado na literatura porque sua principal característica é conversar diretamente conosco e narrar o que o nós estamos fazendo ou podemos fazer.
Por isso, o narrador em segunda pessoa é muito mais utilizado em manuais de instruções, bulas de remédio e livros de RPG solo.
Em todos esses formatos, o leitor é a pessoa que vai executar a ação para chegar a um resultado.
Em conclusão…
Vale ressaltar, entretanto, que essas categorias são uma questão de predominância em um texto e não de exclusividade.
Nesse ínterim, elas podem se sobrepor ou se alternar dependendo da obra e a verdade é que é muito difícil, especialmente na ficção, encontrar essas tipologias em estado puro.
E, então, o que você achou desse conteúdo sobre narrador, esse personagem invisível? Continue acompanhando o blog!
Gostei bastante da matéria. Parabéns!